quinta-feira, 4 de julho de 2013

Remédio cubano-20/10/1999.

   
 
Nº 1568 – 20 de outubro de 1999 
 Ú L T I M A  F R O N T E I R A
Foto: MAX PINTO
NAZARÉ e THEODORA: regado a portunhol, programa médico vira referência para comunidade carente
Remédio cubano
ANA CARVALHO – Boa Vista
Eles são apenas 39 e falam outra língua. Mas já são referência nos 15 municípios onde atuam para cuidar de uma população migrante, carente e, na maioria das vezes, vítima de doenças que levam à morte. Eles são médicos cubanos que desenvolvem na periferia de Boa Vista e no interior de Roraima o programa preventivo Médico em sua Casa. Criado há dois anos, só em 1998 foram feitas mais de 24 mil visitas domiciliares e cerca de 157 mil atendimentos médicos. Isso significa, segundo dados da Secretaria de Saúde, que 60% da população foi assistida, reduzindo o encaminhamento de pacientes aos hospitais. Durante as visitas, são distribuídos gratuitamente remédios e mosquiteiros; são realizados exames laboratoriais quando necessários, além do combate preventivo à dengue e à malária com o uso do fumacê e biolarvicida.
Maria Nazaré de Souza Freitas, uma amazonense que mora há 15 anos num vilarejo do baixo Rio Branco, no município de Caracaraí, recebe com festa a médica Theodora Hernandez, há um ano no projeto, e a equipe de ISTOÉ. Maria descobriu que é hipertensa depois de visitada pela primeira vez, há seis meses. Com a intimidade de quem já faz parte da família, Theodora pergunta sobre os remédios e combina o próximo encontro que terá direito a um almoço diet. “Temos uma relação intensa com a população. Acabamos nos tornando um referencial para a vida deles. Falamos de tudo, aconselhamos sobre tudo. Mas isso faz parte desse trabalho que tem melhorado a qualidade de vida da população”, afirma a também cubana Elisabeth Medina, médica coordenadora do programa. Verminoses, malária e tuberculose são as principais doenças diagnosticadas na população assistida pelo projeto. Nos primeiros sete meses de 1999, foram contabilizados mais de 11 mil atendimentos familiares e 83.601 médicos. Trocando em miúdos, 31% da população foi atendida. O professor cubano Guilhermo Valiant, elo entre a Universidade de Roraima e a Secretaria de Saúde, munido de números, ressalta que a mortalidade infantil de 1997 foi a mais baixa de toda a história: 18,1 mortos por mil nascimentos. O que não se repetiu em 1998 devido à estiagem que provocou a desnutrição materno-infantil, puxando a taxa para 21,2, ainda abaixo da média nacional de 24. Outros dados não dão motivos para comemoração. Homicí-dio e acidentes de trânsito são os principais responsáveis pelas mortes entre 10 e 19 anos. A gravidez na adolescência preocupa: 37,94% dos nascimentos registrados no ano passado foram provenientes das chamadas meninas-mães.
Municípios como Iracema, conhecido como a cidade das meninas-mães, fazem escola. Caracaraí e Rorainópolis seguem os mesmos passos. Juntamente com a gravidez na adolescência, as cidades emergentes, como é o caso dessas duas, começam a figurar nas estatísticas oficiais em doenças sexualmente transmissíveis. Claudinete Clementino não se arrepende da gravidez aos 15 anos. Com a filha Larissa, um ano, no colo, Claudinete fala com desenvoltura sobre ser menina-mãe enquanto espera o ônibus em Mucajaí para regressar a Boa Vista. Casada com um homem 22 anos mais velho, ela assegura ter planejado a gravidez. “Esse era o meu sonho. É comum por aqui ter menino cedo”, afirma Claudinete, cuidando da filha como quem ainda brinca de boneca. Ana Rodrigues teve Eliomar, hoje com dois anos, aos 15, dando prosseguimento à cultura local de gravidez na adolescência. “Essa é a vida aqui. A gente namora, às vezes casa, às vezes não. Os meninos nascem e a gente vai criando. Vai dividindo o que se tem e também o que não tem pra comer. A gente vai levando, com fé em Deus.”
Os prostíbulos, chamados na região de labirintos, surgem para atender àqueles que passam a semana nos canteiros de obras, abrindo estradas, erguendo pontes. Theodora assegura que as meninas de Caracaraí não servem de isca nos prostíbulos. “Elas vêm de Manaus e nós, sempre que possível, estamos lá fazendo o trabalho de prevenção”, afirma. Já o prefeito de Iracema, Joaquim Ruiz, conseguiu reduzir a prostituição de menores e a gravidez na adolescência com o auxílio da bolsa-escola, um programa realizado com apoio financeiro do Estado. Ele lembra de dramático relato feito por uma menina de 14 anos que resolveu vender seu corpo por R$ 10 na intenção de comprar uma blusa igual à de uma atriz da novela das oito. A bolsa-escola, que pagava R$ 40 para crianças, jovens e até adultos em sala de aula, está parada por falta de verbas. “Culpa do ajuste fiscal que tirou dinheiro dos Estados e dos municípios. Pagamos a conta sem sermos devedores”, reage Ruiz, que teme ver Iracema voltando a liderar as estatísticas de adolescentes grávidas. Na corrida para fazer de Roraima um Paraná, não basta apenas incentivo ao lavrado e à produção de grãos. Para mudar esses indicadores é preciso um trabalho intenso nas áreas de educação e saúde, defende o prefeito, que encontra ressonância no mestre cubano Guilhermo Valiant. Em termos de natalidade, Roraima tem a taxa de crescimento (2,6%) mais alta do País. O processo migratório é impressionante. Só no primeiro semestre, nove mil pessoas chegaram ao Estado com a roupa do corpo e muitas doen-ças. “De fato, só é possível mudar os indicadores com projetos estaduais para saúde, educação e moradia.”

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